Os anagramas de Varsóvia, de Richard Zimler - Um livro para quem gosta de temas ligados à Segunda Guerra Mundial
Não sou muito chegada a livros contemporâneos. Gosto dos autores antigos, gosto do passado. Com certeza não compraria Os anagramas de Varsóvia, reeditado pela Porto Editora, em 2017.
Mas eu subia o bondinho que leva ao Santuário de Bom Jesus do Monte, em Braga, Portugal (aliás, um lugar de incrível espiritualidade), quando em cima do banquinho antigo de madeira em que me sentaria, tinha um livro.
Novo, novíssimo.
Provavelmente alguém comprou e ali esqueceu. Entendi logo. Era um presente de um objeto que simplesmente faz parte da minha vida e da minha rotina. Eu teria que ler!
A capa é bem-feita, com o título em alto-relevo e uma bela composição fotográfica. Comecei a ler e, embora não seja amante de temas ligados a guerras, tive uma grata surpresa.
O livro é ambientado na Polônia do início dos anos 1940, quando os nazistas, após invadirem o pais isolam trinta por cento da população, formada por judeus, em um pequeno gueto na capital, Varsóvia.
A narrativa em primeira pessoa é de Erik Cohen, um velho psiquiatra judeu, que naquelas circunstancias divide um apartamento com sua sobrinha e o filho dela, Adam, de nove anos.
Depois de desaparecer, Adam é encontrado com o corpinho mutilado sob o arame farpado dos muros que isola o gueto. Pouco tempo depois aparece um outro corpo nas mesmas condições, desta vez de uma mocinha.
Indignado e corajoso, Erik inicia uma investigação para saber se as mortes é obra dos nazistas ou de algum judeu traidor, porque havia, sim, judeus que prestavam serviço aos nazis.
O romance tem elementos de filme, com muita ação, perigos e suspense. Embora calcado na dura realidade, termina de forma surpreendente, com uma espécie de delírio do narrador.
Aprendi a valorizar um simples limão
O autor detalha o dia a dia dentro do gueto, o maior organizado pelos nazistas, dentre 400 locais de confinamento – em países da Europa Ocidental, entre 1939 e 1945.
Um local imundo, sem qualquer tipo de assistência e superpopulado. Nesse gueto de Varsóvia havia 450 mil pessoas numa área de três mil metros quadrados. Basta pensar que o maior bairro de Curitiba, por exemplo, tem uma população de 115 mil pessoas em uma área de 11 mil metros quadrados. As escolas eram proibidas, bem como qualquer manifestação artística. Ou seja, nada de música, dança, quadros…Se pegassem, destruíam tudo.
A comida era racionada e atendia apenas dez por cento das necessidades diárias, além de pobre em nutrientes: batatas (a maioria podre), uma bisnaga de pão por semana e mais algum ingrediente para uma sopa rala.
As frutas só entravam no gueto por contrabando e a falta de vitaminas adoeciam as pessoas. Um limão contrabandeado era uma joia rara, imagine, um limão que não damos o menor valor, mas é capaz de evitar o escorbuto, uma doença causada pela falta de vitamina C.
Veja esse dialogo (português de Portugal):
– Disse-lhe que estavas a dormir, mas ele quer falar contigo – continuou o Izzy. De repente começou a mover a língua dentro da boca, como quem procura algo, e a seguir cuspiu qualquer coisa para a mão.
– O que foi? – perguntei.
– Um dente – respondeu – tem andando a cair.
– Abra a boca – disse-lhe eu.
Espreitei lá dentro. Tinha as gengivas a sangrar e um hálito putrefato que recordava o odor de pão bolorento.
– Mas que raio está a acontecer aí dentro? – perguntei.
– É escorbuto – respondeu – consegui comprar umas laranjas mas ainda não fizeram efeito.
– Era melhor arranjares limões – observei.
– Então descobre-me lá um.
Frio, fome, doenças e medo: um inferno
O inverno polonês é para os fortes. Neve, frio intenso e gélido. No gueto não havia meios de aquecimento. Imagine, então, fome, frio medo constante e muita gente amontoada dentro de espaços exíguos. Surgiram doenças como a tuberculose, disenteria, febre tifoide, moscas, mosquitos e piolhos – estes últimos causaram uma epidemia de tifo que dizimou cem mil pessoas. Não havia remédios, nem mesmo para pessoas que precisavam de insulina e outros sem os quais poderiam morrer.
E o inferno não acabava aí. Quem não morriam ali, devido às condições ruins, eram levados para os famigerados campos de concentração, um deles o de Treblinka, próximo a Varsóvia. Idosos, crianças, deficientes físicos ou doentes tinham “prioridade”.
Veja um trecho que descreve o transporte:
Um homem a minha frente caíra de exaustão e fora executado. Já havia moscas a pousar-lhe no ferimento aberto na cabeça.
(…) Ao erguer os pés para passar por cima do homem, tive a certeza de que o nosso sangue nunca seria completamente apagado das ruas de todas as cidades e valas polacas – nem que chovesse todos os dias, durante mil anos.
No comboio, dentro de um vagão para gado quente como um forno, deixei-me cair por terra e enrolei-me sobre mim próprio para não ser esmagado. Queria tanto beber que teria aberto uma veia, se tivesse comigo algum instrumento afiado.
Onde um livro pode te levar
Foi uma coisa nova ler esse livro que encontrei na rua. Com ele descobri tantas coisas de um pedaço importante da história da humanidade, coisas que sabia apenas de maneira superficial. Fiquei tao impressionada que inclui Varsóvia na minha listinha de lugares que quero visitar.
Parece que o gueto propriamente dito não existe mais porque foi bombardeado. Mas existe o Museu da Insurreição de Varsóvia, que reúne filmes, depoimentos com áudio guia (em português inclusive), e objetos desses tempos duros. Ali, a historia é contada.
Sem falar que a cidade, capital da Polônia, tem um centro histórico muito interessante, com aquele charme europeu e, pelo que vi, parece um lugar econômico para viajar.
O fato de estar ali, onde tantos fatos históricos aconteceram, respirar aquele ar… é tudo muito estimulante.
Depois da leitura fui atrás e descobri, por exemplo que, embora faça parte da União Europeia, a Polônia não usa o euro e sua moeda é o Zloty. E que, há uma hora e meia de trem, é possível visitar também o antigo campo Treblinka, hoje um museu.
Veja quanta coisa um livro é capaz de trazer!
Uma última informação sobre Os anagramas de Varsóvia. O livro é uma adaptação de um manuscrito, escrito em ídiche (língua falada por judeus na Europa Central e Oriental), descoberto em 2008, debaixo das tábuas de um apartamento que pertenceu a um sobrevivente do gueto, no caso, o narrador Erik Cohen.
Isso confere ainda mais originalidade ao romance, que recomendo vivamente.
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