Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca
- E o impactante conto Passeio Noturno
Existem contos e existem contos perfeitos, aqueles que cumprem com maestria tudo o que dita a técnica desse gênero literário e, quem sabe por isso mesmo, te impactam, faz você ler e reler e não esquecer a história mesmo quando se passam anos a fio.
Assim é o conto Passeio Noturno, de Rubem Fonseca, contido no renomado livro Feliz Ano Novo, de 1976. Um continho curto, uma história crua, violenta e recheada dos aspectos psicológicos obscuros dos personagens, a vida sem poesia, a psique misteriosamente defeituosa do ser humano passando na sua frente.
Rubem Fonseca não era afeito à mídia (quase como Dálton Trevisan). Talvez por isso não ficou tão popular como deveria. Digo deveria porque seus temas são muito do gosto do público em geral.
Antes de se dedicar a carreira de escritor, Rubem Fonseca foi advogado criminalista e comissário da polícia. Atuou internamente, mas o suficiente para conhecer os bastidores da polícia, do crime, do submundo habitado por prostitutas e bandidos, o mundo cão. Como já tinha dentro dele o germe do escritor, voilà, temos um narrador que despeja o fruto da sua arguta observação.
Nas delegacias, se sabe, fala-se muito palavrão
E nos contos de Rubens também eles se manifestam como resultado de uma linguagem já classificada de pouco literária. Os diálogos são diretos e realistas, a linguagem coloquial fala de sexo e eventos violentos sem meias palavras.
Me lembra Bukowski.
Nos anos 1970, Feliz Ano Novo foi proibido de circular e ser publicado por decisão do então ministro da Justiça. A obra conteria matéria contraria “à moral e aos bons costumes”, além de ser tachada de “obscenidade literária”. Era o governo Geisel, o Brasil chafurdando no obscurantismo da ditadura militar.
O conto, como o poema, a novela e o romance é um gênero literário e, como tal, tem suas regrinhas. Deve ser curto, centrado num único argumento, ter clímax, quando atinge um momento máximo de tensão – e desfecho, quando fecha a narrativa. Quando mais insólito esse desfecho, mais bem resolvido é o conto.
Especialmente em Passeio Noturno, Rubens Fonseca dá ao leitor tudo o que ele quer receber quando dedica alguns minutos da sua vida devorando uma história curta.
O homem não é fraco. Além de outros prêmios, venceu seis vezes (eu disse seis, caros escritores), o Jabuti, teve suas obras reproduzidas em séries e filmes de produções importantes (entre elas a série Mandrake, da HBO).
Teve vida longa, morreu aos 94 anos, de infarto, em 2020.
Um personagem complexo, estranho e fascinante
Passeio Noturno não fala de bandidos, mas de um homem bem situado na vida com mulher e dois filhos adolescentes. Todas as noites, quando chega em casa, esse homem estressado pelo mundo corporativo que habita, toma seu wisque e sai para um passeio solitário de carro. Convida a mulher para ir junto, sabendo de antemão que ela não vai. Em seu carro potente e caro, ele se encaminha a uma rua deserta e atropela pessoas à morte. Por que? Para relaxar.
Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver o corpo todo desengonçado da mulher ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.
Não é um spoiler, porque se você ler o conto vai se deparar com uma linguagem tão bem elaborada, uma narrativa tão atraente, que vai gostar do mesmo jeito.
Desse conto – que considero o melhor dentre todos – derivou para um segundo, Passeio Noturno 2. Bom também, mas ainda prefiro o primeiro. O conto que da nome ao livro Feliz Ano Novo é famoso. Um assalto numa mansão na virada do ano. Daqueles que se espremer, sai sangue.
Mas gosto é gosto e eu prefiro Passeio Noturno.
Se tiver interesse em ler o conto, bem como o livro inteiro, basta acessar o link abaixo.
https://fundbras.files.wordpress.com/2014/02/feliz_ano_novo___fonseca__rubem.pdf
Obrigada por ter chegado até aqui e até a próxima resenha!