Equimoses

Equimoses

Segunda feira.

A campainha toca pontualmente às dez horas no apartamento do vigésimo terceiro andar. Luíza, jovem, vestida com uniforme branco, máscara cirúrgica, abre um sorriso.

Pronta pra começar?

A cliente é Nádia, cinquentona, vaidosa, nesse momento inchada, cheia de hematomas e equimoses avermelhadas, roxas. As cirurgias plásticas são primitivas e cobram o seu preço.

A drenagem linfática não resolve, mas ajuda, e muito. Aquele líquido insano, preso, escoa pelos caminhos ditados pelas mãos habilidosas da fisioterapeuta. Nádia sente um alívio. Confirma-se as sessões. Serão dez, talvez mais, vejamos como anda a coisa.

Nádia simpatiza com Luíza. Luíza, por sua vez, trata a cliente com profissionalismo e pitadas de afeto. Pela experiência, sabe que ali tem uma mulher vulnerável, disposta a tudo para parecer alguns anos mais jovem. As clientes são todas iguais, fazem as mesmas perguntas, tem a mesma ansiedade para se livrarem do trauma da cirurgia e ver o resultado, o milagre da juventude que retorna. Sabe também, pela larga experiência que, depois do médico, é com as fisioterapeutas que elas se agarram.

Despedem-se. Luíza deve voltar no dia seguinte, no mesmo horário.

Terça feira.

Uma hora antes do combinado, uma mensagem no celular de Nádia avisa que Luíza teve um imprevisto. Mas que virá sua irmã, excepcionalmente, também muito competente, pode confiar, amanhã continuo indo, normalmente.

Ok, Nadia pensa, ali, dependente, com suas equimoses. Fazer o que? Que imprevisto foi esse? Hum, já não gostei.

A irmã de Luíza, Lenize, é mais fechada, sorri menos. Mas, de fato, tem a mesma eficiência.

Nos formamos no mesmo dia – Lenize conta.

E porque fisioterapia, as duas? – indaga Nadia.

Ah, a gente sempre foi bastante unida, ela escolheu e eu, como não tinha nada em mente do que prestar no vestibular, fui atrás.

E não se arrependeu?

Não, a gente trabalha bastante. Mas eu trabalho numa clínica, fixa, Luíza prefere ser autônoma.

Então você faltou ao trabalho, hoje?

Não, estou de férias.

Ah, então tá tudo certo. Aperta tudo o que tiver de apertar aí, tô confiando em você – Nádia brinca.

Quarta-feira.

Não aparece nem Luíza nem Lenise no horário combinado. Nádia impacienta-se, comenta com a faxineira.

Olha aí, estão atrasadas. Se é que ainda vão vir!

Passados vinte minutos, manda uma mensagem. Um risquinho apenas, não foi entregue. Liga, impaciente. Não atende.

Vestida com um robe folgado, Nádia desliza pela sala. Está muito agitada. O estresse parece aumentar o inchaço, o rosto se agiganta. Com um pano fininho desses de limpeza em ação, a faxineira não opina porque não tem o que dizer. A patroa está possessa e solta impropérios.

Dez minutos depois o telefone toca. Vem da parte das fisioterapeutas. Uma voz masculina.

Alguém ligou para esse número.

Sim, meu senhor, fui eu, queira falar com a Luíza ou a Lenize – diz Nádia num tom arrogante.

O homem faz uma pausa.

Alô? – insiste Nádia, ansiosíssima.

Infelizmente não vai ser possível – o homem informa, num tom mais baixo.

Como assim, por que não?

A senhora é cliente?

Sim, sou cliente, estou aguardando com muito atraso, já. To aqui toda inchada…

Olha só, senhora, se acalme.. sinto lhe dizer, as duas irmãs sofreram um acidente na sexta feira. Infelizmente não resistiram. Uma morreu na hora a outra chegou e ir pro hospital, mas também…

O que? Nádia grita. Mas elas estiveram aqui…

O homem parece não entender bem que elas estiveram ali dois dias seguidos, cada dia uma.

O senhor disse na sexta feira?

Sim, estavam voltando da praia.

Mas elas estiveram aqui na segunda e ontem, terça.

O homem faz uma pausa, suspira.

Nem me apresentei, sou Osvaldo, o tio delas. A senhora se confundiu, pode ter sido na semana passada. O velório de Luíza foi anteontem, o de Lenize, ontem.

A cabeça de Nádia rodopia, o inchaço, os hematomas e as equimoses latejam levemente,

Resolve não insistir. Diz que sente muito, que não tem palavras nesse momento. Despede-se, desliga.

Corre ao celular para checar as mensagens trocadas no número de Luíza.

Constam mensagens antigas, dos primeiros contatos, acertando preço, passando endereço.

Em uma mais recente o visor do smartfone comunica friamente:

Essa mensagem foi apagada

Nádia corre ao interfone, quer indagar o porteiro.

Ontem e hoje quem estava aí na portaria?

O Reginaldo.

Cadê ele?

Hoje é a folga dele.

Não, senhora, não tenho o celular dele…. Se amanhã ele vem? É pra vir.

Resta a faxineira. É caladona, mas esteve ali quando vieram as duas moças.

Raquel, você viu as duas moças que vieram aqui anteontem e ontem, não viu?

Quem?

As duas que fizeram drenagem em mim?

A faxineira interrompe o trabalho com o pano fininho na mão. Faz uma pausa, os olhos passeiam de um lado para o outro, parece buscar no arquivo da memória.

Ué, dona Nádia, mas não era hoje que essa, como diz?

Fisioterapeuta.

Isso, não era hoje que ela ia começar?

Como, hoje? – indaga, nervosa.

Ouvi a senhora dizer que ela ia vir hoje.

E que dia é hoje, criatura?

Segunda feira.A cabeça de Nádia rodopia, os hematomas e as equimoses provocam uma dorzinha chata. Mas o maior incômodo vem dos edemas, a sensação é que o rosto vai explodir.

Texto: June Meireles

Foto: Gryehawk por Pixabay

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