È possível engarrafar o cheiro de uma época?
- Pois Karma, de Lush, conseguiu produzir o “cheiro de hippie”
Sou a louca do perfume. Aquela que na hora de embarcar já com a fila andando corre no Duty Free pra testar mais uma fragrância (depois de já ter experimentado vários). Sou muito sensível a aromas de todos os tipos e adoro sentir cheiro bom.
De tanto pesquisar e ler resenha de perfumes na internet, me cai aos olhos um comentário sobre um perfume intitulado Karma, da marca inglesa Lush, lançado em 1995.
Atenção, esta não é uma propaganda! Mas não vejo porque não citar o nome da marca (infelizmente ela teve uma breve temporada no Brasil, mas parece que não deu certo).
As resenhas faziam referência a um cheiro de hippie e fiquei muito curiosa de saber: Que cheiro é esse?
De modo resumido, as notas são laranja, capim limão citronela, lavanda, patchuli, resina de Abeto, Elemi e Canela (tem mais algumas, é complexo).
Me pareceu uma boa mistura, mas o que me fulminou mesmo foi o trecho da resenha que dizia que o Karma tinha o cheiro “de uma Kombi cheia de hippie indo para um show do The Doors”.
Minha curiosidade explodiu
Claro que nada é assim, por acaso. Quando eu tinha uns sete anos de idade fui passar férias em Salvador, na casa de uma tia em Itapuã. Era 1973, os hippies estavam por toda parte, mas minha lembrança me leva aos saveiros ancorados à beira mar com aquele pessoal exótico ali, recostado nos barcos, conversando, as vezes tocando violão.
Meu olhar de menina era atraído para aqueles jovens esguios, com roupas coloridas, cabelos longos… as moças com sais compridas de tecidos que eu não conhecia. Na minha fantasia infantil tinha algo de mágico, de fora do comum (e tinha mesmo).
Minha tia os apontava e dizia:
– São todos jovens de família boa que deixaram tudo pra viver assim…(dentre outros comentários negativos que só aguçavam minha curiosidade e minha imaginação).
Um dia, um desses seres míticos bateu palmas no portãozinho da casa térrea onde morava minha tia. Pediu água, sorridente e tranquilo. Fui correndo falar com ela, que respondeu irritada:
– Pois diga a ele que não tem.
Quando ouviu a negativa, ele retrucou, muito tranquilo:
– Tem que dar água a quem tem sede… pode ser na vasilha onde o cachorro bebe.
Voltei lá e convenci minha tia a dar água aquele rapaz de jeito zen, paz e amor total.
Nos anos 1980, já adolescente, gostava de vestir roupa indiana e manter meu cabelo crespo natural. Queria ser um pouco hippie, mas estava fora de tempo, ninguém mais achava graça naquilo. Uma vez um chefe de estágio me disse: Você é bonita, o que te estraga é essa mania de hippie. Depois, o cabelo nesse tempo era um problema, tinha que reduzir volume, manter controlado, uma pressão horrível pelo cabelo liso que, felizmente, arrefeceu muito nos dias de hoje. Enfim, hippies eram mal vistos, filhos da utopia, sinônimo de algo que não deu certo. Hoje sei que não é assim.
Que cheiro é esse?
Acabei descobrindo que a marca do perfume de hippie é comercialmente muito bem sucedida e tem algumas particularidades: usa essências naturais, não testa em animais e respeita a natureza (pelo menos é o que diz). Os perfumes (alguns com preço acessível, outros nem tanto), são vendidos com exclusividade pela própria Lush, não se encontra em outros lugares. A linha é muito diversificada, mas estou já atraída por dois em especial: O Himalaia, com essência de um certo Nardo, uma flor que cresce no próprio Himalaia, e o Breath of god (Sopro de Deus), com notas de néroli e incenso, dizem que cheira à meditação. De novo, minha curiosidade se acende.
Voltando ao Karma, encomendei no mesmo dia o danado do perfume, que além de tudo tem esse nome emblemático, remonta a Índia, budismo, todo esse universo que eu adoro.
Finalmente, me chega o frasquinho. Cheiro muito potente, abro, espirro pelo ar.
Gente, é um autêntico cheiro dos anos 60/70, cheiro de hippie! Cheiro bom, cheiro ótimo em um perfume duradouro e de qualidade.
Usar esse perfume me faz voltar num tempo de juventude que não vivi, mas que foi e continua sendo inspirador para mim. Os aromas têm esse dom e, nesse caso, me fez redescobrir uma parte de mim mesmo.
Sou hippie em essência e conceito e hoje sei que tá tudo bem.
Viajar nas palavras de uma escritora, que viajou no tempo, pela magia de um perfume. Quanta arte contém a frase? Do imaginário de um perfumista surgiu uma fragrância, que despertou as lembranças de infância de uma escritora, que, com muita arte, transformou as memórias em um perfume de palavras, que me fez viver toda essa magia em instantes. Magia, pura magia.
Marioo! Fico muito feliz que voce tenha entendido e gostado. Um abraço!