A confissão de Leontina – O conto sem vírgula
Comprei, não faz muito tempo, em um Sebo, o livro (bem acabadinho) Os melhores contos, que reúne uma seleção feita por Eduardo Portela, pela Global Editora, de contos da fantástica Lygia Fagundes Telles. Para mim, faltou Venha ver o pôr do sol. Talvez não tenha entrado porque esse conto ficou muito popular. No you tube, por exemplo, tem dezenas de curtas que contam a fantástica história de terror dos ex-namorados. Eu própria rodei um curta metragem com enredo do conto.
Dessa seleção gosto muito do conto A confissão de Leontina, no qual Lygia não usa uma vírgula sequer na narrativa, em primeira pessoa, de uma pobre coitada que só fez sofrer nessa vida. Um conto que não é tão curto assim e a autora ousa muito quando introduz nenhuma vírgula.
A narrativa é passada ao leitor da boca da personagem, Leontina, moça simples da roça que vai para a cidade grande e ali dá sequência a uma vida de sofrimento.
Como a excelente escritora que é, Lygia praticamente troca sua identidade pela dessa personagem, e a deixa livre para contar a sua história dura, triste e injusta, de uma desilusão cortante – do jeito que Leontina bem entender.
As vírgulas, nesse caso, não fazem falta, coisa que só pode ser feita pelos grandes, pelos que dominam com maestria a linguagem e a escrita.
Um exemplo é o prêmio Nobel de Literatura, José Saramago. Seu estilo de escrita é muito particular e chega a parecer errado aos desavisados. O escritor subverte a escrita, reinventa o texto, cria um ritmo próprio para a narrativa e deixa sua marca original.
Mas, cuidado, inovar assim como o fazem Lygia e Saramago não é pra qualquer um. Além do domínio da linguagem, é preciso autenticidade. Inventar moda pode resultar em um texto problemático e pretensioso, que busca originalidade forçada.
De todo modo, deixo aqui dois trechinhos, quem sabe você se anima e confere essa obra-prima.
(…)Ela era o próprio diabo em figura de gente. Credo como aquela mulher me atormentou. Nem para ir ao banheiro eu tinha sossego que ela ficava rondando a porta e resmungando que eu devia cagar prego pra demorar tanto assim.
(…)Tenho só 35 anos, mas estou podre de velha e você vai direitinho pro mesmo caminho. Não agüentei e abri a boca no mundo. Me mandou parar de chorar e começou a falar tanta asneira que quando chegou a janta a gente já estava rindo de novo. Dividiu comigo a canja de galinha que chamou de canja de defunto porque os médicos matam por engano e pra não contar que foi engano aproveitam a defuntada na canja.
Para ler on line:
https://contobrasileiro.com.br/a-confissao-de-leontina-conto-de-lygia-fagundes-telles/
Texto e foto: June Meireles