A casa do poeta trágico, de Carlos Heitor Cony
– Leia antes de ir a Pompeia, na Itália
Sensação boa de estar no cenário do livro
Dificilmente releio livros. Mas este eu reli depois de ter ido, em 2022, a Pompeia (Nápoles, Itália), a cidade destruída por uma erupção vulcânica do monte Vesúvio, no ano 79 d.C.
Mas, não, o livro não é sobre a extraordinária história de Pompeia, embora o título do livro de Carlos Heitor Cony faça, sim, referência direta a uma das casas da cidade antiga, em cuja entrada se conserva, ainda hoje, um belo mosaico com a inscrição, Cave Canem (atenção ao cão).
Seria então um romance entre uma jovem e um publicitário de meia idade? Também isso, mas tem muito mais.
O livro que deu a Cony o prêmio Jabuti e o o livro do ano, em 1987, tem cadência narrativa muito interessante, com idas e vindas ao presente e ao passado.
Se fosse para falar de um ponto de partida, seria o cruzeiro que o publicitário Augusto Richet, carioca, 46 anos, faz no Mediterrâneo, no verão de 1975. Pois é ali que ele, entediado homem de sucesso, avista uma mocinha simples, olhando uma vitrine em uma das lojas do navio.
“...olhava para dentro, não exatamente para os perfumes arrumados nas prateleiras, mas para o busto em gesso de uma deusa grega, podia ser Minerva ou Afrodite, ou nenhuma delas”
Findo o cruzeiro, Augusto segue essa garota por toda parte, até descobrir que ela está acompanhada de um homem mais velho e corpulento (grosso e desalinhado, segundo o autor), que depois ele saberia se tratar de um professor com o qual a mocinha tinha um caso.
Augusto fica tão impressionado com a moça que altera seu roteiro de viagem e, usando mil estratégias, descobre seu habitat em um bairro de classe média baixa em Nápoles, no centro da Itália.
“O homem grosso e repugnante não apareceu. Nem a moça. Caiu a noite, era setembro, o sol ainda se punha tarde, a luz avermelhada ficou iluminando as fachadas sujas. Augusto andou de um lado para outro, depois do lanche, tomara dois, três expressos, o homem do bar – e principalmente a mulher, que vendia cigarros, olhava para ele, estranhado-o.”
Fazem amor nas ruínas
Homem maduro e seguro de si, um dos primeiros convites que faz a ela, após uma abordagem muito direta, é visitar Pompeia. Ela aceita de pronto, porque não conhecia o lugar, apesar de viver tão perto – ou talvez intuindo que estava ali uma virada de chave para sua vida.
Pompéia é um ponto turístico organizado e as visitas se encerram as cinco da tarde. Mas o casal resolve driblar a segurança e passar a noite ali, sob o teto das históricas casas de pedras.
“O suor do dia secara em sua roupa, tinha um cheiro bom, tão bom que aumentava o calor do corpo dela. E foi tanto o calor que a abraçou com mais força, e com tamanha força que nem precisou despi-la inteiramente, quando deu por si, a estava possuindo, sem pressa e sem fúria. Como achava que ela merecia.”
Fui a Pompeia em 2021 e, quando voltei, lembrei da história do livro e o reli. Visitei Pompeia em 2022 e, quando voltei, lembrei da história do livro e o reli. É muito estimulante ler sobre um lugar no qual se esteve, como se as descrições se materializassem
Embora Pompeia seja quase um detalhe na narrativa, o título do livro também é uma referência a uma das construções que podem ser visitadas – A casa do poeta trágico.
A mocinha em questão é uma brasileira que mora na Itália com seus parentes desde que perdeu os pais. É bastante italiana a personagem, mas fala português. Se chama Francesca, mas ele (coisas de publicitário), a batiza de Mona. Com essa nova identidade, a garota inicia uma vida nova ao lado desse homem mais velho que lhe apresenta o mundo e a faz iniciar uma carreira bem-sucedida também na publicidade.
A excelência do premiado Cony
O livro é dividido em três partes. Na primeira, intitulada O poeta, a narrativa é na terceira pessoa. Na segunda, Trágico, a historia passa para as mãos de seu protagonista e é Augusto quem segue contando a história que se desdobra quando o casal se estabelece em Itaipava, na região serrana do Rio de Janeiro. Ali a narrativa declina para os problemas familiares de Augusto, que tem ex-mulher e um filho viciado em drogas, com uma relação muito difícil com o pai. Sem dar spoiler, essa relação conturbada é um dos pontos de virada do livro.
Na terceira e última parte, A casa, a narrativa de novo passa para as mãos de terceira pessoa, quando a história tem seu desfecho, um final muito realista e um momento em que o trágico se apresenta. É o momento também da decadência física de Augusto e do desfecho daquela história com Mona.
O personagem Augusto é um pouco o próprio Cony. Culto, viajado, conhecedor das coisas do mundo. Ele escolheu muito bem onde ambientar seu romance, Pompéia tem uma historia fascinante, que não detalharei aqui, mas recomendo que você, se não conhece, pesquise e, se possível, visite.
Li somente este livro de Carlos Heitor Cony, mas estou curiosa de saber mais da sua obra, premiadíssima, incluindo o Jabuti, por quatro vezes.
A forma como escreve é profunda e simples ao mesmo tempo, criativa e mantêm seu interesse ativo. Conta como se conversasse e, nesse livro, fala como um publicitário falaria (eles tem sim um jeito particular de falar). Você enxerga o personagem à sua frente e isso é um dom dos bons escritores.
Encerro com mais um trechinho da obra, um dos vários momentos que o olhar apaixonado de um homem descreve uma mulher.
“Tinha um jeito de ouvir e ver que sempre me lembrava a garota do navio: parecia não estar ali, parecia não estar ouvindo, parecia não estar vendo. Assimilava rapidamente, revirava tudo dentro, tirava conclusões e as guardava. As vezes olhava-me com espanto, suspeitando que eu inventava uma história ou um detalhe, nunca achava graça nas minhas piadas, mas sentia-se segura a meu lado, confiava em mim como um cão sem olhos confia no seu dono.”
Leia Cony!